sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Um passo de cada vez



Um passo de cada vez.
Era que eu sempre ouvia, toda vez que algo dava errado. E assim, por um instante, um sopro de esperança virava ventania, e a frustração se convertia em sonho. Durava pouco a catarse, mas ajudava a dar a volta por cima.
Durante muito tempo, acreditei que os fatos negativos eram conseqüência de um passo em falso, um erro, um equívoco. Nem sempre. Hoje tenho plena consciência de que não só os erros determinam os insucessos que rondam a nossa existência. Às vezes nem precisa ser um grande insucesso: um instante de depressão, uma tristeza repentina, um fato que inexplicavelmente tira o nosso humor ou nos deixa em estado de letargia, qualquer desses casos pode ser motivado por quase nada, ou mesmo pode ocorrer a despeito de todo o nosso esforço em fazer tudo corretamente.
A verdade é que à medida que avança o tempo sobre nós, os compromissos da vida vão se tornando mais rígidos e as expectativas, maiores. Somos cobrados todo o tempo, por nós mesmos e pelos outros. Aquele universo infinito e lento da infância se metamorfoseia em limitações e urgências, e nem temos tempo de contemplar as coisas simples que passamos a achar dispensáveis.
A pressa não nos deixa dúvida de que precisamos correr, não podemos falhar. Talvez por isso os desfechos que não esperamos nos marquem tanto: criamos expectativas absurdas em cima de coisas que deveriam ser bem mais simples. Deveríamos mesmo é esperar os erros, relativizá-los, mas principalmente usá-los como lições fundamentais da existência.
Mas o mundo não se apresenta assim. Não há espaço para falhas. O exército de substituição está lá fora, no trabalho, no amor, na amizade, em nós mesmos. Talvez por isso aprendamos a desejar aquilo que não podemos ter e nem precisamos ter: afirmar-se passa a ser um ato de consumo, uma corrida ilógica contra tudo aquilo que é sensato ou simples, viramos bolhas estúpidas de pensamentos vagos e fúteis, em busca de algo que nunca saberemos verdadeiramente o que é.
Passamos a viver em busca de números, de índices, de títulos. Estudamos não pelo prazer de aprender, mas pela sede de acumular papéis que nos apresentam capazes perante o mundo, mas infelizes diante de quem mais importa: nós mesmos. Substituímos a leitura por prazer pela leitura mecânica e técnica de coisas que deveriam nos dar prazer por serem de nossa área de estudo, mas nos incomodam e pressionam a produzir para além daquilo que realmente somos capazes de fazer com paixão, e portanto, bem.
Os dias passam mais rápido, as pessoas também. Temos cada vez menos amigos e mais colegas ou conhecidos. Não há tempo para cultivar amizades, precisamos ser melhores no placar estúpido do mercado de trabalho, temos de converter nosso escasso tempo em cursos, treinos e capacitações que não nos tornarão melhores senão na maquinaria insana a que nos submetemos durante a vida laboral.
Se não há tempo para os amigos, poderia se ter a visão equivocada de que sobraria para nós mesmos. Pelo contrário, estamos ocupados demais para pensar no que estamos fazendo de nossas vidas. O futuro se tornou uma conseqüência, não uma construção, vivemos para o mundo lá fora, não importa o quanto isso nos afaste da essência de amar e admirar as coisas mais simples, que estão bem à frente de nossos olhos, mas que reiteramos a intenção de não enxergar.
E assim, um passo de cada vez, a vida vai levando a caminhada sem deixar opções. Essa pressa, esse vácuo de emoções no que se transformou a nossa existência é uma rua sem saída, repleta de casas com portas e janelas fechadas. A violência cresce, a insensibilidade se multiplica, e não temos mais tempo para nos compadecer do igual que passa necessidade ou do animal indefeso que não pode se arranjar sozinho.
Temos cada vez mais leis, e cada vez elas são mais desrespeitadas. O abismo entre os que desperdiçam e os que nada têm se amplia, enquanto as pessoas preferem atribuir essa responsabilidade aos políticos que elas mesmas colocaram no poder. Não enxergam sua parcela de responsabilidade? Não, expiam seus pecados contribuindo pela fria distância com instituições de auxílio para não precisarem fazer nada pelos que precisam.
Tudo isso não incomoda? Será que a soma de todas essas situações não contribui para que este mundo doente em que vivemos se torne a cada segundo um pouquinho pior? Acredito que muitos achem que sim, mas ler este texto, para a maioria das pessoas, não causará nada mais que alguns segundos de reflexão, até que a nova propaganda da TV chame a sua atenção para o mais novo produto inútil, indispensável para a sua coleção de futilidades.
Não haverá mudança enquanto tantos acharem que a carreira, o dinheiro, o título, o papel, o metal são mais importantes que a amizade, o amor, o silêncio da contemplação de uma paisagem perdida no horizonte. Aos que riem das metáforas inocentes que usei aqui, desejo que elas sirvam pelo menos de motivo para pensar que rir ainda é melhor do que se manter impávido para demonstrar seriedade aos olhares alheios.
Desejo também a todos que consigam ver o quanto há de verdade, de fidelidade gratuita no olhar de um animal, e que comparem essa imagem aos olhares frios daqueles com quem dividimos os intensos e frios dias das nossas vidas. Afinal, quem realmente deve ser chamado de animal?
Por fim, tenho tentado, lutando contra mim mesmo e meus fantasmas, começar um novo caminho. Do alto dos meus medos, sinto que meu grito tem cada vez menos amplitude diante do barulho incessante que atravessa a minha janela. Mas nem por isso, deixarei de tentar, pois minha voz ainda me pertence, apesar das modas e manias que impregnam a ideologia portátil que tantos carregam em suas mentes. Sei que estou ficando rouco e cansado, mas não vou desistir: eu continuarei a caminhar.
Um passo de cada vez.

2 comentários:

  1. Interpretaria como poesia pisciana se não o conhecesse e não sentisse o mesmo. É fato que nos tornamos reféns deste cotidiano louco e por mais que ainda consigamos instantes de sobriedade,o tempo continua à nossa frente e corremos para alcança-lo. Será este o mal do século?

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  2. Demorei pra vir aqui... E este seu texto traduz tanto meus dias...
    Saudade da tua doçura!
    Um abraço e toda minha amizade e carinho,

    Eliana

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