sexta-feira, 3 de julho de 2009

No São João, com Maiakóvski


Esse título é uma deslavada referência ao belíssimo poema do poeta carioca Eduardo Alves da Costa (No caminho, com Maiakósvki). Aliás, por causa do título, esse lindo poema costuma ser atribuído ao russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930), um dos mais importantes poetas do século XX. Bem, o trecho mais conhecido (e mais belo) do poema em questão diz:

"Tu sabes,
conheces melhor que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer mais nada".


E o que esse poema tem a ver com o São João, rapaz? Não é elocubração minha, tem muito a ver. Mais precisamente com o São João de Amargosa deste ano. Em primeiro lugar, quero ser voz dissonante de muita gente que andou rotulando a festa deste ano como ruim, até como a pior dos últimos anos. Ruim, por quê? Por que muita gente não conseguiu alugar suas casas por preços mirabolantes? Ou por que este ano não vieram para Amargosa as "atrações do momento" que nunca tocam forró? E em verdade, nenhuma banda que tem "forró" no nome toca forró! Ou mais: foi ruim por que "a melhor banda de todos os tempos da última semana" (Victor e Leo) não veio tocar na praça?
Bem, tá na cara que não concordo com essa história de "São João ruim". Se tem uma coisa para a qual eu tiro o chapéu aqui é a organização da festa, Vila Junina, Casa de Reboco, entre outros que ajudam a manter a verdadeira tradição junina. Vasculhei em jornais as grades de atrações de outras cidades e, sinceramente, não vi grandes diferenças não... O que muita gente também não lembra ou não quer lembrar é que em 2009 os dias da festa caíram num meio de semana, e isso invariavelmente influi na quantidade de pessoas que vêm para a cidade.
Agora, deixa eu me ater à proposta do título. Repetindo: qual a relação entre o trecho do poema e o São João? Não é de hoje que o São João do interior virou uma grande festa para o povo da capital e das próprias cidades do interior como um todo. O que tem sido difícil de entender é como tantas pessoas saem dos seus lugares (capital, interior, tanto faz...) para vir aqui no São João ficar o tempo quase todo ouvindo pagode... E o pior: não se contentam em ouvir pra si, montam seus carros de som de centenas de decibeis e nos forçam a ouvir a anomalia musical de que tanto gostam. Se querem ouvir, problema deles! Quem estava aqui, viu que se tornava um martírio passar pelo largo do Maracanã, entre outros lugares: "Era uma cena dantesca!", diria Castro Alves... Dezenas de carros de som, a toda altura, tocando coisas diferentes, que não era possível entender como conseguiam distinguir o que estava tocando. Se bem que, pelo visto, isso era o que menos importava ali...
Aliás, sobre essa coisa de som de carro, lendo um folheto de uma campanha do Ministério Público, prefeitura de Salvador e outros órgãos ligados à proteção do meio ambiente, tive contato com uma informação interessante, da qual já até desconfiava: "estudos comprovam que pessoas que gostam de ouvir som extremamente alto geralmente sofrem de impotência sexual, e utilizam este artifício como fuga ou substituto para chamar a atenção". Faz sentido, não?
Ainda sobre a questão do som extremamente alto e pior, tocando pagode, ouso perguntar: até onde essa situação vai chegar? Será que os órgãos públicos municipais, sejam do poder executivo, legislativo ou judiciário não vão tomar qualquer providência? Vão deixar que essas pessoas estraguem nossos tímpanos e a tradição do São João? Ou será que, pelo fato de serem turistas, tudo lhes será permitido ou perdoado, desde que colaborem para a circulação de dinheiro na cidade?
Será pedir demais que as pessoas normais tenham o direito de ouvirem o que querem, em níveis racionais, sem que isso lhes seja imposto? Até quando os olhos do poder municipal (em todas as esferas) estarão fechados para isso?
Assim, de volta ao poema: Já estão roubando as flores do nosso jardim. Vamos esperar pacientemente até que arranquem a voz da nossa garganta?

2 comentários:

  1. André, não saberia dizer com suas palavras tudo o que ficou intalado na minha garganta quando eu vi as cenas no largo do maracanã. Quando lembro que até já 'achei massa' me envergonho. Fecho o comentário com essa frase:

    "Quando o homem aprender a respeitar até o menor ser da criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante."
    (Albert Schweitzer)

    Aqui é um lugar especial da rede! Obrigado!
    Forte abraço, Dé.

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  2. Obrigada pelo elogio Dé, obrigada mesmo. Em relação ao seu texto, realmente situação lamentável a que ocorreu no largo do Maracanã. Passava por aí direto e sinceramente, era uma baixaria completa. Há algumas "músicas" que até são escutáveis, mas claro, depende da hora, local e nível do que você vai escutar. Tem que ter respeito com os ouvidos das pessoas ao redor, mas infelizmente, não é assim que acontece. Só lamento.

    Adoro seu blog Dé. Beijos!

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