sábado, 18 de abril de 2009

Sobre tiros e culatras


A culatra é, segundo o "Aurélio", o fundo do cano de uma arma de fogo. Daí, conforme a sabedoria popular, quando um tiro sai pela culatra é porque algo dá errado, ou até mesmo quando uma ação gera um efeito contrário ao esperado. Pois bem, chegamos ao ponto.
O tiro que saiu pela culatra, na minha modesta opinião, foi a medida adotada pelo ministério da Educação de efetivar o ENEM como processo seletivo único em todas as universidades federais do país. Penso ainda que esse não foi o único tiro desse ministério que saiu pela culatra nos últimos tempos.
Quem me conhece sabe o quanto sou entusiasta do governo Lula, e por isso mesmo reconheço o inegável avanço em alguns aspectos da educação brasileira, como a expansão das universidades federais Brasil afora (fato comprovado aqui em Amargosa com a implantação de um campus da UFRB) e ampliação de recursos via FUNDEF e FUNDEB, entre outras siglas. Porém, permanecem muitos vícios herdados das administrações anteriores, como a subvalorização do professor da educação básica, além de outros equívocos que especificarei mais adiante.
Vamos, portanto, ao que considero a "lista de equívocos" do ministério da Educação:
1. A adoção do ENEM como vestibular unificado das universidades federais. Ora, como um vestibular nacional vai refletir as especificidades de cada região do país? Isso me parece já um retrocesso em relação à política de abordar questões regionais em muitos vestibulares (política, por sinal, a que a UFBA faz "vistas grossas", pelo visto...), uma vez que, sendo unificado nacionalmente, será impossível abordar a geografia, a história, a literatura, a cultura de cada região desse imenso país. Além disso, o ENEM passaria a ter 200 questões para serem resolvidas em DOIS dias, além da redação! Isso mesmo, vestibulando: 100 questões POR DIA!!! Sem contar que o ENEM perderia seu caráter "multidisciplinar" e seria composto de conteúdo das disciplinas escolares. Aí outro contrassenso (maldito acordo ortográfico!): se a proposta do senhor ministro era "acabar com o vestibular", ele não estaria criando algo mais desumano que o próprio sistema que ele pretende exterminar??? E mais: é sabido que o ENEM demora meses para ter seu resultado divulgado. Se essa proposta for relmente adotada, o número de inscritos se multiplicará, e se a correção continuar sendo feita pelo INEP, quanto tempo demorará para que esse resultado saia? Outro ponto condenável: o ministério ofereceu milhões de reais em recursos para as universidades que aderissem à proposta (uma vez que as universidades têm autonomia para aceitá-la ou não) - não parece uma "compra"? No mínimo um acordo condenável...
2. Os sistemas de cotas. Esse é por natureza um assunto bem polêmico, e vai aqui uma pitada a mais de polêmica: na minha opinião, o sistema de cotas tem se revelado injusto e ineficaz na resolução das desigualdades sociais e educacionais deste país. Não é nivelando por baixo o acesso às universidades que se garantem melhores condições de vidas para as pessoas. Sem contar que neste país já tem MUITA gente se acomodando por saber que as cotas lhe garantem um acesso, digamos, "facilitado" a boas universidades. Na verdade, o grande problema das cotas está nos seus critérios, que são muito subjetivos e às vezes tão ou mais excludentes que a realidade que pretendem combater. Ora, se o que se busca é igualdade, então por que não buscar qualidade na preparação desses mesmos alunos que hoje precisam de cotas para entrar em universidades públicas? E não estou falando dos"cursinhos pré-vestibulares gratuitos", porque são também meros paliativos. Refiro-me à qualidade na educação básica, algo para o qual é preciso abrir os olhos, e que discuto no próximo ítem. Essa "pressa" em resolver o problema do acesso à universidade, consubstanciada nas "políticas de reparação", tende a se perpetuar no Brasil, virando muletas eternas, que limitam muitas vezes a capacidade de crescimento da população, haja vista o que acontece hoje com o Bolsa Família, que é um programa maravilhoso em sua essência, mas que deixa muitas pessoas acomodadas, vivendo exclusivamente desse dinheiro, gerando o que Gilberto Dimenstein chama de "mendigos oficiais".
3. A falta de valorização da educação básica. É louvável que o ministério da Educação se preocupe tanto como o ensino universitário, com as suas formas de acesso, sua expansão, tão diferente daqueles tempos sombrios em que as desventuras neoliberais de um presidente sociólogo sucateavam as universidades e ameaçavam privatizá-las. O problema é que a precocupação deve se focar muito mais na educação básica que no ensino superior, ora. Isso parece tão lógico! Mirem-se no exemplo (com o perdão do plágio, Chico Buarque...) dos países que se desenvolveram graças à educação: o investimento fundamental foi na educação básica, pois a partir daí, um bom ensino superior é mera consequência. Senhor ministro, senhores técnicos do ministério, senhores governadores e prefeitos, senadores, deputados e vereadores: investir na educação básica significa garantir melhores indicadores sociais, significa a evolução da sociedade como um todo, sem distinção! Portanto, de nada adianta investir tanto em equipamentos como computadores, TVs, DVDs etc se não há muitas vezes nem sequer alguém que saiba manuseá-los! E mais, ao invés de investir tantos recursos nesses equipamentos, por que não pagar melhores salários aos professores, coordenadores, diretores e demais funcionários, não capacitá-los e fiscalizá-los com mais frequência e compromisso? Até quando aqueles que trabalham em educação neste país serão os "quebra-galhos"? Por que um professor tem que ganhar tão menos que um médico? Aliás, na absoluta maioria dos concursos públicos, professores de educação básica ganham menor salário que quaisquer outros profissionais com formação acadêmica...
A educação passa por um momento de grave crise no Brasil. Uma crise cuja responsabilidade não pode ser atribuída exclusivamente ao poder público. Presidente, governador, prefeito não tem culpa se os pais não dão limites aos seus filhos e estes acham que podem desrespeitar professores, colegas e regras das escolas onde estudam. A educação está em crise também porque a família como instituição social está em crise, daí tanta violência e descaso nas escolas, públicas e particulares. No entanto, o que apontei aqui são alguns equívocos na atuação do ministério da Educação que contribuem com o agravamento dessa crise. Esse mesmo ministério tem acertado muito, justiça seja feita, mas precisa rever essas situações descritas.
A Educação não deve ser só atribuição do Estado, mas de toda a sociedade. Lutando por ela, fiscalizando e exigindo medidas que a viabilizem (com qualidade!) a um maior número de pessoas, estaremos garantindo antes de tudo o nosso próprio futuro. Chega de tiros pela culatra.

2 comentários:

  1. CONCORDO!!!

    O que o governo investe com o sistema de cotas e agora com essa mudança (triste mudança:/) do processo seletivo para ingressar em uma universidade pública, deveria ser aplicado em Educação BÁSICA, garantindo igualdade entre os níveis de escolas públicas e privadas!
    Adorei o texto André, pena que você não postou antes da prova de Redação na qual um dos temas era o paradoxo do sistema de cotas, esse texto já seria uma ajuda!!! :)

    Haiana Andrade

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  2. André,

    Acho que você está certo quando diz que as coisas não estão sendo conduzidas como deveriam. Mas acho todas as ações louváveis. O sistema de cotas e a adoção do enem como processo seletivo são atitudes que merecem correções, mas talvez não a eliminação. O simples fato de existir tais mudanças indica uma disposição de sanar os vícios da educação brasileira. É bom? É eficaz? Vai dar certo? Acho que tudo isso se responde a longo prazo. É um tema polêmico demais, mas quando se trata do governo Lula, eu prefiro ser otimista. Não que a crítica não deva ser feita, pois os erros existem. Mas prefiro ser otimista.

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