domingo, 8 de março de 2009

O direito de acreditar


Quando os portugueses invadiram o Brasil em abril de 1500, a primeira tirania que cometeram foi impor aos nativos a sua fé, rigorosa, intransigente e autoritária, cantada com honras em latim para um público atônito que não entendia absolutamente nada.
Desde então, a religião católica no nosso país foi se desenvolvendo a largos passos, e à medida que novas religiões foram surgindo e/ou se popularizando, tivemos o que a maioria insiste em chamar de "convivência pacífica". Essa convivência, no entanto, pode ser chamada de pacífica apenas pelo fato de não se pegar em armas, como acontece no Reino Unido e no Oriente Médio. Principalmente se levarmos em consideração a relação das religiões cristãs com as religiões de origem africana.
Apesar do "sincretismo" religioso tão marcante na Bahia, católicos e seguidores das afro-religiões nem sempre dividiram as escadarias da Igreja do Bonfim. Aliás, nesse sentido, é notória a abordagem da obra "O Pagador de Promessas" de Dias Gomes, adaptada para o cinema e a TV. Mais recentemente, os embates entre cristãos neopentecostais e os ubandistas ganharam a grande mídia, culminando com o caso da mãe-de-santo de Salvador que foi humilhada por um tablóide editado pela igreja protestante mais poderosa do país, aquela mesma que tem TV, rádios, jornais, enfim, um verdadeiro império midiático à sua disposição. Bem, para quem tem memória curta, naquela época, a idosa mãe-de-santo veio a falecer pouco depois da publicação, o que gerou um milionário processo judicial ganho pelos seus herdeiros contra a instituição religiosa, fato esse que não ganhou da mídia estadual maior destaque, a não ser por ter sido matéria de capa do Jornal A Tarde.
A liberdade de culto é uma garantia constitucional, e como tal não deve nem pode ser desrespeitada. Os mais afoitos, levados pelos arroubos da fé, devem pensar antes de agir e entender que a intolerância religiosa é algo tão grave e deplorável quanto o preconceito racial.
E nenhuma religião parece estar livre dos exageros e equívocos. Basta lembrar o caso do pastor daquela mesma igreja protestante poderosa, que pela TV em rede nacional chutou (e despedaçou) a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil pela religião católica.
Mas não só de brigas entre as religiões se revela a intolerância religiosa no Brasil e no mundo. Recentemente, o bispo católico Richard Williamsom proferiu o disparate de que nunca teria havido holocausto. Por estes dias, ganhou destaque na mídia nacional o caso da menina de 9 anos estuprada pelo padrasto e que ficou grávida de gêmeos. O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, excomungou a equipe médica e a mãe da menina pelo aborto da jovem, mesmo sabendo que o aborto se deu por questões de saúde, uma vez que a menina correria risco de morte se mantivesse a gestação. Deduz-se, portanto, que aborto é mais grave que estupro para o católico, e que, não bastasse a dor e a humilhação de ser violentada pelo padrasto, ela ainda teria de correr risco de morrer só para se adequar às convicções da fé católica. Parece até a época da Inquisição.
Não existe religião melhor que a outra. É apenas uma questão de crença. O que não se pode, porém, é perder o respeito ao outro e à crença do outro. Acreditar (ou não!) é um direito de cada cidadão, principalmente no Brasil, onde isso está disposto em sua lei maior. Além de se tratar de uma infração a uma disposição legal, a intolerância religiosa é uma regressão, um absurdo, uma prova de que em pleno século XXI ainda se respira o ar úmido das cavernas, mesmo nos mais abençoados espaços de adoração e fé.
Em tempo: o Ministério Público Federal de São Paulo ajuizou uma ação civil pública para que as emissoras de TV Record e Gazeta não exibam mais programas que ofendam as religiões africanas. A Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão, Adriana da Silva Fernandes, autora da ação, verificou que programas das duas emissoras classificam as religiões de matriz africana como encosto, demônios, espíritos imundos, feitiçaria e usam a palavra macumba. O MPF pede que as duas emissoras paguem indenização de R$ 13.600.000 e R$ 2.242.300, respectivamente. (Notícia veiculada no Jornal A Tarde de 07.03.2009, p. B8).

Um comentário:

  1. É lugar comum, mas tenho que concordar com o velho Marx: "A religião é o ópio do povo". É supreendente como os laços espirituais tem sido manuseadas para justificar abuso de poder. E, mais surpreendente ainda, como há aqueles que acatam suas diretrizes irrevogavelmente. Seria desprezível, se não fosse assustador e trágico.

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