domingo, 22 de março de 2015

Hálito doce de sertão


Eu demorei a ler o Pedra Só, livro de José Inácio Vieira de Melo, lançado em 2012. Bem verdade que ele só chegou às minhas mãos em 2013, mas ainda assim a demora se deu pelas circunstâncias, pelas leituras que se configuram mais urgentes, porém não mais prazerosas.
Conheci a poesia de JIVM junto com ele, em 2008. E virei fã. Sua poesia marcante, com cheiro de sertão, empoeirada nas brenhas da paisagem rústica e bela desse fantástico mundo desde o primeiro momento me preencheu olhos e mente com a mensagem que não conseguia ouvir em outras vozes mais conhecidas do cenário poético do Brasil.
Até hoje A Infância do Centauro (2007) é, para mim, o mais original e forte engenho poético da literatura contemporânea, com suas marcas indeléveis de sol, sangue e poesia. Foi através dessa obra que vislumbrei a ventania poética de JIVM varrendo junto com a poeira a nossa imaginação para os mais altos lajedos desse mundo. Depois veio Roseiral (2010), obra cujo lançamento aqui em Amargosa tive o orgulho de organizar, um livro igualmente forte, mas diferente, menos sertão e mais cidade, um trabalho mais denso e repleto de imagens belas, passando até pelo erotismo bem engendrado nas ricas metáforas de fervor poético.
Li Pedra Só "de uma sentada", tal sua sinuosidade e maturidade poética, imiscuído em imagens e referências bíblicas, mitológicas e literárias, um brinde à poesia, dançando com memórias e sons tal qual um sonho que se confunde com a realidade, mas do qual não se quer acordar.
Uma obra que agarra, prende à leitura, numa expectativa crescente do que há por vir, como se fosse um enredo narrativo, em que cada poema que segue retoma e completa o anterior. E como não se sentir no escuro escarlate da fazenda Pedra Só vertendo entusiasmadamente o líquor inefável desses poemas sorrateiros? Em "Sertão, coisa de espírito mesmo/o nome incrustado no âmago", uma tradução quase Roseana para um sentimento que não se traduz a não ser nas imagens que a retina abriga para além do deserto da memória. E o poeta completa a sua sina: "Ainda assim, persiste em mim a poesia/e essa vontade de inundar o mundo", e acredite, poeta, seu sertão inunda o mundo inteiro, quente e imediato em suas imagens apocalípticas e calmas, paradoxalmente.
Dá pra ouvir os estalos da vegetação retorcida que quebra com a velocidade dos cavalos e seus vaqueiros, encourados heróis medievais do eterno sertão mitológico que encanta o olhar, apesar da secura que deita sobre seu solo.
E Pedra Só ainda reserva um gran finale: um posfácio magnífico, com um belo poema do grande Elizeu Moreira Paranaguá e um texto incrível de Gabriel Gomes sobre JIVM e sua produção poética. Um texto sublime, alinhavado poeticamente em tons de prosa que provoca um afã de leitura que não se esgota em seu fim. Por isso vejo Pedra Só como uma superprodução, seja nas lindas imagens de Ricardo Prado, no belo tratamento editorial, ou em seu conteúdo, inigualavelmente belo como a paisagem do sertão, aquele mundo ao qual se referia João Guimarães Rosa.
E que venha o Galope de Ulisses!

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