quarta-feira, 29 de julho de 2009

Conhecimento em pílulas


O mundo moderno vive um momento no mínimo surreal: nunca tivemos tanta informação ao nosso alcance, e nunca a sociedade pareceu mais alienada que hoje. Ao mesmo tempo em que a internet disponibiliza sites de jornais e revistas do mundo inteiro, sites e blogs oferecem leituras variadas sobre os mais variados assuntos e disponibilizam inúmeros livros e revistas para download gratuito, a população em geral parece viver em uma fúnebre catarse coletiva, atenta apenas para o enredo das telenovelas e para a vida das grandes celebridades, enquanto as demandas da realidade vivem pululando a cada segundo.
Esse "choque de ficção" é essencialmente paradoxal. O Brasil tem péssimos índices de leitura, historicamente nunca fomos (e ainda estamos longe de ser) um país de leitores. Mas o que se constata é que o brasileiro ama a ficção. Não a escrita, claro, pois "dá trabalho". Prefere a que vem da telinha mágica da caixa de pandora da modernidade (a TV).
Enquanto os livros viram (no máximo!) enfeite na estante da sala, olhos e ouvidos estão grudados nas telenovelas e nos filmes. Ah, sim, há espaço também para acompanhar com um certo desdém as notícias urgentes do noticiário.
O problema é que o mundo da TV é instantâneo demais, ficção e verdades se fundem e deixam nos mais desavisados a impressão de que são uma só. As discussões mais relevantes são aquelas que envolvem os personagens das novelas e de suas previsíveis peripécias no capítulo anterior. No fim de tudo, de cada novela, todos sabem como tudo termina, num moralismo apócrifo, em que os bons recebem as recompensas redentoras do fim, enquanto os maus purgam seus pecados com a prisão ou a morte. E nada muda, quase nunca.
Enquanto isso, a dádiva do conhecimento fica limitada aos ensinamentos vis das imagens editadas das novelas. A moda agora cerca a cultura indiana, mas ninguém se arrisca a sequer buscar no google alguma informação concreta sobre o país ou sobre sua cultura. Os "noveleiros" ficam escravos das parcas (e às vezes equivocadas) informações que escapam das tramas pobres e repetitivas que povoam as noites da maioria dos brasileiros. Mas a Índia será logo esquecida quando começar a nova novela da Globo.
Pois é, a Globo não se cansa de prestar desserviços ao povo brasileiro, e as novelas são provas disso. Mas esse tema merece um texto exclusivo. Deixemos então para outra oportunidade.
O conhecimento não pode se resumir a um único meio. Se existe a possibilidade de unir vários meios para obter e analisar informações por que não fazê-lo? Preguiça, desinteresse, falta de tempo? Mas nada disso impede as pessoas de acompanharem diariamente as novelas...
Vivemos um tempo de intensa competitividade. Enquanto as pessoas continuarem limitando sua quantidade (e qualidade!) de conhecimento, estarão cada vez mais distantes do mercado de trabalho, dos progressos profissionais e até mesmo do autoconhecimento. Em tempos de internet, não vale a pena desperdiçar todo o mundo virtual em meia dúzias de sites. O mesmo vale para o cinema e a TV.
O conhecimento é saboroso demais para ser consumido em pequenas e insossas pílulas. Deve ser ingerido em fartos banquetes, regado a análises e discussões que engrandecem o espírito e alegram a alma. Se só os parvos não mudam, só os pobres de espírito não valorizam o conhecimento. E enquanto vivermos numa sociedade de parvos e pobres de espírito, o único futuro a trazer (falsa) alegria será o dos capítulos finais das toscas telenovelas.

3 comentários:

  1. E aí seu André, reflexão para este povo. Também enveredei pela escrita blogueira. confira: intestinogrossoii.blogspot.com e a qualificação quando será?


    Paulo André

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  2. Ótimo Texto!
    É a alienação em massa, pois na nossa sociedade há pessoas que só têm em suas bagagens conhecimentos fúteis, são sem cultura (rica).
    Parabéns, adoro seus textos!

    Só que achei um erro de digitação, a palavra "proifissionais" no penúltimo parágrafo do texto! Abraços!

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  3. Dé, bela reflexão sobre esta alienação em massa pela qual nossa sociedade está inserida.
    Adoro seu blog Dé.

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