quinta-feira, 4 de junho de 2015

Ninguém mais quer ser como é

Mind Devour - Sebastian Eriksson

“Ninguém mais quer ser como é: todos querem ser como os outros são”.
Cecília Meireles

Aparência. Essência. Nessa ordem. Pelo menos é o que dita a sociedade de consumo na qual vivemos. Consumo de tudo: produtos, serviços, pensamentos, pessoas... As pessoas consomem até a própria imagem, num canibalismo sádico e surreal.
Quantas (ou quantos) você “pegou” na última festa? De quais você lembra o nome? Quantas peças de roupa inúteis você tem em seu guarda-roupa? E sapatos? Certamente essas perguntas não têm resposta, pelo menos para muitas pessoas. O importante é consumir, não necessariamente para si, mas em muitas vezes para outros, para se manter visto, percebido. Não importa que para isso o sujeito se venda, se destitua de suas características, se troque por uma modazinha sem-vergonha de fim de semana. O que vale é aparecer.
As pessoas deixaram de se vestir conforme seu próprio gosto. Estão sempre imaginando o que será dito pelos outros, como elas serão vistas pelos demais. Essa falta de afirmação, de identidade é a peça-chave da engrenagem capitalista: quanto mais inseguro, mais consome para tentar alcançar um patamar de aceitação alheia.
Até o gosto por música e livros é afetado por tudo isso. As músicas duram o suficiente para fazer sucesso por pouco mais de duas semanas. O cantor famoso deste mês vira artista decadente no programa sadomasoquista de domingo à tarde no mês seguinte. Tudo é muito rápido, não dá tempo de pensar, assim como nos telejornais, que apresentam os falsos sorrisos dos apresentadores como anestesia entre um absurdo e outro da política nacional. A memória coletiva é uma piada de mau gosto. A cultura popular está virando um celeiro de intergalácticas mediocridades.
Assim, o cidadão é conduzido ao desmembramento de si mesmo. Não interessa ser como realmente é. Interessa ser como os outros querem que seja. Medíocre, fugaz, alienado, fútil, desumano... não importa. Se é preciso ser assim para ser aceito, paga-se o preço com absoluto desprendimento e sem qualquer remorso.
E não adianta colocar a culpa de tudo isso exclusivamente nos jovens. Tem muita gente “experiente” se aproveitando de tudo isso com um sarcasmo fenomenal. Então, o que resta? Atribuir culpas e se eximir delas? Não mesmo. É preciso ter coragem de ser diferente, ou melhor, ter coragem (ora vejam!) de ser autêntico, o verdadeiro espelho de si mesmo. Mas parece que isso hoje em dia “dói” mais do que ler um bom livro!

*Esta é uma republicação. Não faz tanto tempo assim que publiquei este texto, mas infelizmente continua atual, e como muitos ainda não o tinham visto, deixo-o aqui para quem quiser refletir sobre ele.

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